Para especialistas, razoável
seria 15%; em SP, nível do abastecimento de Cantareira é
o mais baixo da história
Estados mais ricos
do país, Rio e São Paulo - que hoje divergem por conta
do pedido do governo paulista para captar água da bacia
do Rio Paraíba do Sul - desperdiçaram, em 2011, mais de
30% da água tratada. As perdas na distribuição chegaram,
respectivamente, a 32,8% e 35,2%. De acordo com o
Ministério das Cidades, que reúne os dados do setor, a
média brasileira é ainda pior: 38,8%, por conta dos
estados do Norte e do Nordeste, que em sua maioria
desperdiçavam mais da metade da água tratada. Para
especialistas, no entanto, o razoável seria até 15%.
Alguns países da Europa e os Estados Unidos estão nesse
patamar. Na Alemanha, por exemplo, o índice já está
abaixo dos 10%. O Japão, no entanto, foi além: tem
índice de 7%, sendo que, em Tóquio, o desperdício não
passa dos 5%.
Responsável por 7,7
milhões de ligações de água, o volume de água tratado
pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São
Paulo (Sabesp), em 2012, foi de 3.059 milhões/m3. Apenas
com vazamentos, a companhia perdeu 20,3%. No entanto, de
acordo com a Sabesp, esse número vem caindo. Nos últimos
10 anos, houve queda de 8 pontos percentuais. Ainda
assim, a água desperdiçada com vazamentos daria, de
acordo com Antônio Eulálio, conselheiro do Crea/RJ, para
encher "em torno de 300 piscinas olímpicas". Somadas as
perdas que impactam no faturamento, como ligações
irregulares, gatos de água e hidrômetros quebrados, o
desperdício chegou, em 2012, a 25,7%.
No Rio, a Companhia
Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), desde o começo
deste ano, trata e distribui 48 mil litros por segundo.
De acordo com a Cedae, 70% das redes de distribuição
antigas, "potencialmente causadoras de vazamentos", já
foram substituídas, o que explicaria em parte a queda no
índice de desperdício que, em 2009, passava dos 50%. A
Cedae cita ainda as perdas comerciais, "impactadas pelo
consumo em comunidades (favelas)". Segundo a empresa,
"nas comunidades existe abastecimento, mas o nível de
consumo informal (gatos) é extremamente elevado".
- Rio e São Paulo
têm perdas extraordinárias. Discute-se quem pode captar
ou não água do Rio Paraíba do Sul, mas é uma falsa
discussão. Se tanta água não fosse desperdiçada, a
carência seria menor. A discussão tinha que passar pela
má gestão das empresas de saneamento dos estados e não
apenas pela captação da água do rio que atende a maior
concentração da força produtiva brasileira. Claro que
agora é necessária uma solução de curto prazo, mas
desperdiçar mais de 15% deveria ser inaceitável - diz
Paulo Canedo, coordenador do laboratório de Hidrologia
da Coppe/UFRJ: - Se o estado de São Paulo conseguisse
reduzir em 50% as perdas na distribuição, seria possível
atender cerca de 4,5 milhões a mais de pessoas.
No mês passado, por
conta da capacidade dos reservatórios do Sistema
Cantareira virem acumulando recordes negativos, o
governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) pediu ao governo
federal para captar água do Rio Paraíba do Sul, maior
fonte de abastecimento do Rio. O pedido abriu uma crise
entre os dois estados, e o então governador Sérgio
Cabral (PMDB) disse que não ia "tolerar nada" que
afetasse o abastecimento.
- As duas empresas,
Sabesp e Cedae, já deveriam estar perto de 20% e não
perto dos 30%. Não existe perda zero, mas 15% seria um
nível civilizado. Os números do Brasil são maiores, e
ainda podem estar subdimensionados - diz Édison Carlos,
presidente do Instituto Trata Brasil, lembrando que não
é só o cidadão que deve ser cobrado quando há escassez:
- Num momento como o
que vivemos agora, cobra-se que o cidadão reduza o
consumo, mas as empresas têm que ser cobradas também.
No entanto, ele diz
que é preciso levar em conta que os números do
desperdício incluem o abastecimento de pessoas que vivem
em áreas irregulares e têm ligações clandestinas:
- Só em São Paulo,
fala-se em 3 milhões vivendo nessas condições, e a
Sabesp não pode levar rede oficial para essas regiões.
Mas não é por isso que o assunto não deve ser discutido.
Temos que falar sobre isso, ainda mais porque Rio e São
Paulo não podem usar os rios urbanos como fonte de água.
No Brasil, segundo
o Ministério das Cidades, em 2011, nenhum estado
tinha índice de perda abaixo ou igual a 20%. No mesmo
ano, o Atlas do Saneamento, publicado pelo IBGE,
apontava que 60% das cidades com mais de cem mil
habitantes perdiam de 20% a 50% da água tratada, em
função de vazamentos entre a captação e o consumidor.
Além disso, 23% das cidades brasileiras conviviam com
racionamento de água.
Presidente da
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e
Ambiental (Abes), Dante Ragazzi diz que o desperdício
"passa pela gestão das empresas", mas que a União,
estados e municípios têm que trabalhar em conjunto:
- Em São Paulo, o
governo estadual apostou na Sabesp, e os índices têm
caído. Mas não tem milagre. O Rio, por exemplo, tem
grandes favelas, então, a discussão tem que passar
também pela regularização das áreas. O desafio é
gigantesco, mas tem que incluir municípios, governos
estaduais e a União. A meta do Plansab (Plano Nacional
de Saneamento Básico) é chegar a 2033 com índice de
perda de 31%.
- A distribuição de
água tem que melhorar, mas ninguém controla realmente o
serviço. No Rio e em São Paulo, todos que andam nas ruas
veem canos vazando. Imagina se uma empresa pode
engarrafar, por exemplo, uma bebida e perder 30%, 40%
dessa produção? Ela quebra. Mas as empresas de
saneamento postergam ações de manutenção, os canos
vazam, falta água, elas perdem dinheiro... No mais, as
empresas estão mesmo conformadas com o roubo de água? -
pergunta Canedo.
Para Ragazzi, uma
melhora no setor passa pelo governo federal. Ele
acredita que a União poderia disponibilizar recursos e
receber uma espécie de contrapartida.
Em nota, o
Ministério das Cidades reconhece que "as perdas de
água representam um dos grandes desafios para a
expansão e melhorias da distribuição". Diz ainda que
"a perda com a água produzida e não faturada faz com
que o setor do saneamento deixe de obter importantes
recursos financeiros, além de sobrecarregar
desnecessariamente os mananciais hídricos com as
demandas por aumento de produção de água". Segundo a
nota, o ministério tem apoiado financeiramente, "por
meio dos programas de abastecimento de água, os
prestadores de serviços em ações que visam reduzir
as perdas, bem como só aceita propostas de aumento
de produção de água, quando as perdas estão abaixo
da média nacional". A pasta afirma que "em um
cenário ideal, as medidas preventivas de controle de
perdas devem ser consideradas já nas etapas de
planejamento e implantação do sistema de
abastecimento de água. Ao longo da operação do
sistema, medidas de redução e controle de perdas
devem ser implementadas de forma contínua e
permanente pelo prestador de serviços.".
(Carolina
Benevides / O Globo)